PALESTRA DE ABERTURA 2º ENCONTRO NACIONAL DE AUDIODESCRIÇÃO

Boa noite a todos! Cumprimento as autoridades aqui presentes, o Sr. Pró-Reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora, Prof. Flávio Takakura; a coordenadora do Grupo de Pesquisa em Inclusão, Movimento e Ensino à Distância, e nossa companheira na organização desse evento, a prof. Dra. Eliana Ferreira; o diretor de Políticas Públicas da Secretaria dos Direitos Humanos, Sr. Antonio José Ferreira, grande incentivador da audiodescrição, o articulador do movimento pela audiodescrição no Brasil, Paulo Romeu Filho, também coordenador do evento; e o Sr. Clóvis Alberto Pereira, representante da ONCB. Saúdo a todos os audiodescritores brasileiros, a quem tenho a honra de representar neste momento; saúdo também as pessoas com deficiência visual que compõem o público alvo de tão importante recurso; alunos e outras pessoas aqui presentes interessadas em conhecer, em aprender mais sobre audiodescrição. 

Agradeço à Secretaria dos Direitos Humanos, na pessoa do Sr. Antonio José, pelo apoio, sem o qual seria impossível a realização deste evento. Agradeço também à prof. Dra. Eliana Ferreira e a sua equipe pela organização e por gentilmente colocar as instalações da Universidade Federal de Juiz de Fora à nossa disposição. Agradeço também ao patrocínio do Projeto eDaisy.

Reitero que o 2º Encontro Nacional de Audiodescrição será um momento importante para a audiodescrição brasileira, pois aqui pretendemos discutir questões referentes à implementação da audiodescrição nos diversos segmentos, a elaboração de políticas públicas, a formação de audiodescritores e a regulamentação da profissão, além de momento de intensa troca de experiências e saberes entre profissionais da área.
 
Nesses nove anos de implementação da audiodescrição no Brasil, desde a primeira apresentação com o recurso no Festival Assim Vivemos no Rio de Janeiro, em 2003, com o trabalho pioneiro de Lara e Graciela Pozzobon, que em todos os curta metragens apresentados no festival já inseriam os recursos de acessibilidade e, dentre eles, a audiodescrição, muito já caminhamos. Foram significativos os avanços, tanto no número de produtos audiovisuais como no número de pessoas que passaram a comparecer a espetáculos e eventos com esse recurso de acessibilidade comunicacional. E isso tudo com esforço, insistência e persistência. Sabemos que o público com deficiência visual tem sido histórica e culturamente afastado desse tipo de programação cultural, justamente pela falta de acessibilidade. A formação de plateia é, portanto, essencial. Um novo público que passa, com o recurso e pelo recurso, a apreciar espetáculos e produtos antes inacessíveis.
 
Mas para isso, é preciso experimentar. Divulgar, fazer chegar a informação a esse público. Quem assiste a um espetáculo, a um filme, a uma peça de teatro, quer mais, passa a reivindicar, buscar outros espaços acessíveis.
 
Temos percebido que a presença, antes tímida de pessoas com deficiência visual em salas de cinema, teatros e outros espetáculos, o quase completo desconhecimento sobre o recurso pela grande maioria, vem sendo substituídos, gradativamente, pelo aumento da oferta de eventos e produtos com audiodescrição, pela diversidade de gêneros de espetáculos, eventos e produtos audiovisuais, pelo aumento do público que busca por esses eventos, espetáculos e produtos, pelo interesse crescente por cursos e informações sobre o recurso de acessibilidade comunicacional.
 
Se no passado, em uma palestra sobre o tema, havia duas ou três pessoas presentes na plateia; ou se ao oferecermos um curso, não conseguíamos abrir por falta de pessoas interessadas, hoje, certamente, o panorama é outro. O tema vem atraindo mais e mais pessoas de diversas áreas, principalmente, pessoas ligadas às artes cênicas, à locução, dublagem, roteirização, cinema e tradução.
O 1º Encontro Brasileiro de Audiodescritores, Traduzindo Imagens em Palavras, realizado em São Paulo, em 2008, reuniu em torno de 30 pessoas. Hoje, estamos aqui com o auditório quase repleto, um evento para 200 pessoas. E se tivéssemos aberto mais vagas, possivelmente teriam sido preenchidas.
 
Todos os dias, recebemos notícias pelo BLOG DA AUDIODESCRIÇÃO, de novas peças, filmes, espetáculos de dança, óperas, exposições em museus, seminários, congressos, missas, desfiles, descrições de imagens estáticas em livros didáticos, audiolivros com audiodescrição, eventos sociais como casamentos, que se multiplicam por várias cidades brasileiras, permitindo a formação, a inclusão cultural e o acesso à informação dessa nova plateia. Também tem aumentado, significativamente, a produção acadêmica: pesquisas, monografias, dissertações e teses que permitem conhecer as aplicações da audiodescrição em diferentes segmentos e para outros públicos como pessoas com deficiência intelectual, por exemplo.
 
Para nós, audiodescritores, é um privilégio, participar dessa grande onda inclusiva, que coloca o consumidor com deficiência visual de produtos culturais em igualdade de condições, atendendo e respeitando seus direitos. Pessoas cegas e com baixa visão também podem ser consumidoras de cultura, desde que sejam respeitadas em seus direitos de acessibilidade comunicacional.
 
E como audiodescritores percebemos, cada vez mais, a importância de transformar imagens em palavras. Em cada filme, peça, ópera, espetáculo de dança, ou outro espetáculo e evento, buscamos palavras para traduzir a composição dos personagens e da trama, o deslocamento e enquadramento de câmera que ora nos permite vislumbrar a paisagem, ora nos mostra partes do corpo, expressões fisionômicas e outros detalhes, respeitando as características do gênero. Para um audiodescritor, não tem coisa melhor do que poder ouvir as risadas conjuntas da plateia se deliciando com determinadas cenas ou observar as faces emocionadas, alguma lágrima teimosa que escorre pelo canto do olho do espectador. É nesse momento que entendemos o poder das palavras que traduzem a beleza ou a rudeza das imagens, a sutileza das expressões fisionômicas, do gestual e de tantos outros detalhes. É nesse momento também que percebemos a nossa responsabilidade como profissionais da audiodescrição.
 
Discutiremos aqui, neste encontro, as questões ligadas à formação, que atenda à complexidade da tarefa e que dê conta de preparar esse profissional para o desempenho de suas funções, cursos de aperfeiçoamento ou de pós-graduação.
 
Queremos mais, mais acessibilidade em um maior número de programas na televisão, que a acessibilidade possa chegar também à programação da TV a cabo; em um maior número de teatros e espaços culturais; que tenhamos políticas públicas que apontem para a obrigatoriedade dos recursos de acessibilidade em projetos culturais, leis de incentivo, espaços públicos; e que, em breve, a oferta de produtos seja tanta que cada pessoa possa escolher o evento que mais lhe agrada, não somente pelo recurso de acessibilidade, mas pela sua preferência e gosto pessoal.
 
E para finalizar minha fala, reservei um episódio acontecido no inicío de minha trajetória como audiodescritora, no ano de 2005, para ser contado aqui. Primeiro porque ilustra o histórico e segundo porque tem a participação de pessoas importantes para o movimento da audiodescrição no Brasil como Paulo Romeu, José Vicente, Laercio Santana e Lothar Bazanella, a quem eu costumo carinhosamente chamar de “tropa de choque da audiodescrição”.
 
Lothar era o diretor do CADEVI, Centro de Apoio ao Deficiente Visual, e me convidou para apresentar lá um filme com audiodescrição. Escolhemos o filme entre alguns títulos: A Terra dos Sonhos, e lá fui eu munida de roteiro e muita vontade e disposição para conhecer a opinião das pessoas com deficiência visual sobre a iniciante audiodescrição e audiodescritora. Lothar conseguiu reunir um público grande, em torno de 30 pessoas, em um sábado à tarde, em uma sala na frente de um aparelho de televisão. Fiz uma introdução ao filme, com sinopse, caracterização de personagens e ficha técnica e lembro que neste momento uma senhora disse em alto e bom som: Ué, você está contando prá gente o que vai acontecer para garantir que a gente entenda???
 
Respondi prontamente que a sinopse de um filme pode ser encontrada em jornais, revistas e sites. A caracterização dos personagens era necessária, pois não seria possível fazê-la tão completa durante o filme.
 
Todos sentados, prontos para começar.  Chegaram um pouco atrasados, Paulo Romeu e Laércio Santana. Finalmente, começamos. O carro percorrendo as ruas movimentadas de Nova York, as meninas com o rosto colado no vidro… Foi quando começaram a surgir algumas perguntas, algumas dúvidas. Uma pessoa queria saber isso, e mais aquilo. Outra levantou a mão querendo um detalhe a mais. Lothar, prontamente, levantou-se e com a autoridade de diretor disse: Pessoal isso aqui é o futuro. Em breve, nos cinemas e teatros, teremos esse recurso e ninguém vai ficar interrompendo o audiodescritora para tirar dúvidas… Portanto, vamos parar de interromper a Lívia e assistir ao filme com audiodescrição.
 
A cena foi retratada por Ricardo Ferraz, amigo querido, cartunista de Cachoeiro do Itapemirim. 
 
 
Descrição: A charge de Ricardo mostra várias pessoas com deficiência visual sentadas de frente para a TV onde está escrito: Terra dos Sonhos. Um homem diz: Eu tenho uma dúvida… Uma mulher pede: Por favor, uma explicação. Outra mulher com um cão-guia diz: Mais uma dúvida… Lívia, a audiodescritora, sentada na lateral esquerda, segurando o roteiro e um microfone diz: O filme… Lothar, um homem alto, com cabelos pretos, cavanhaque e óculos escuros, segurando uma cuia de chimarrão e sua bengala, em pé de frente para a plateia, diz: Barbaridade, tchê! Pessoal, isso agora é o futuro. Em breve, nos cinemas e teatros, teremos esse recurso e ninguém irá ficar interrompendo o audiodescritora para tirar dúvidas!
 
Continuamos até o final sem nenhuma outra interrupção. Discutimos o filme e a audiodescrição. Paulo Romeu disse, animado: Que vocês possam sair daqui contando para todos o que é a audiodescrição, como é assistir a um filme com audiodescrição. Ricardo Ferraz, com seu traço bem humorado também desenhou esta cena, o Paulo ao lado do amigo Laércio, um recorte da história da audiodescrição brasileira.
 
 
Descrição: A charge de Ricardo mostra Paulo Romeu, alto e magro, os cabelos penteados para trás, segurando sua bengala, em pé, ao lado do amigo Laércio, mais baixo, com os cabelos escuros penteados de lado. Paulo, de frente para a plateia, do lado direito da TV, diz: Que vocês possam sair daqui contando para todos o que é audiodescrição, como é assistir a um filme com audiodescrição! Lívia com cabelos curtos no corte chanel, sorridente, está parada do lado esquerdo da TV, junto de Lothar, que bebe seu chimarrão.
 
Que todos possam aproveitar ao máximo o 2º Encontro Nacional de Audiodescrição!!!
 
Por Lívia Motta
Em 13 de dezembro de 2012 – Universidade Federal de Juiz de Fora.
 

 

2 Comentários para PALESTRA DE ABERTURA 2º ENCONTRO NACIONAL DE AUDIODESCRIÇÃO

  1. avatar

    Lívia, Paulo Romeu e demais companheiros de sonhos e de ações,

    Este Encontro é um marco na trajetória da Audiodescrição no Brasil e na construção da Cultura da Inclusão!

    Parabéns a você e a todos os que se empenharam no planejamento e na execução deste Encontro de âmbito nacional!

    Fomos recebidos de braços abertos e tratados com a tradicional hospitalidade mineira; todas as mesas abordaram aspectos relevantes da audiodescrição, ora do ponto de vista das políticas públicas, ora do público consumidor, da academia e dos audiodescritores – uma riqueza de temas, tratados por especialistas.

    Saímos com gosto de “quero mais”.

    Que venha logo o terceiro Encontro! Adelante!

    beijos parabenizantes

    Marta Gil

    • avatar

      Querida Marta,

      Nós também agradecemos sua presença e sua mediação competente em uma das mesas redondas. Vc acompanha nossa luta desde o começo e tem sido uma grande incentivadora e divulgadora do recurso. Muito obrigada pela parceria e amizade!
      Beijo grande.

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