HISTÓRIAS COM JUCILENE – MÃE NA ERA DA AUDIODESCRIÇÃO

Fotografia de Jucilene, sorridente, com os cabelos presos, jaqueta preta, segurando Fernando, com macacão azul e touca listrada, sentada recostada em uma coluna pichada, no Parque do Ibirapuera, com várias pessoas em volta.

Jucilene é amiga de muitos anos, foi minha aluna, personagem de não sei quantos posts, companheira de projetos, de planos e sonhos inclusivos, revisora de peças e filmes. Com a proximidade do Dia das Mães, pensei em Jucilene, mais uma vez, para um post. Falar de uma mãe singular na era da audiodescrição e mais, de uma usuária que acompanha o movimento desde o seu nascimento. E que tem usado a audiodescrição em momentos e eventos especiais de sua vida. Jucilene querida, é prá você, é sobre você este post e é com ele que presto minha homenagem a todas as mães. Afinal, todas nós temos nossas singularidades!!!

Foi para Jucilene que fiz minha primeira audiodescrição há muitos anos atrás, ainda informalmente, quando ela fazia seu Curso de Psicologia e precisava assistir a um filme para um trabalho. Ainda são vivas na memória, as lembranças de sua percepção refinada, daquilo que ela conseguia entender pela entonação dos atores ou por outros sons, mesmo o filme não sendo dublado. Desde então, passou a acompanhar a quase todas  peças, filmes e óperas com audiodescrição, dando seu precioso feedback, tão importante para a reconstrução da prática, para as alterações no roteiro.

Jucilene era também presença obrigatória, como palestrante, nas minhas turmas de Educação Inclusiva, do Curso de Pedagogia e, em algumas turmas, ela chegou a ensinar os alunos a fazer o pássaro tsuru de origami, com sua incrível habilidade manual. Com seu jeito bem humorado, vai sempre aproveitando cada momento para desconstruir as ideias negativas, os limites que as pessoas, geralmente, impõem às pessoas com deficiência.

Numa dessas idas à faculdade, na hora do café, um professor, encantado com Charlie, seu lindo cão-guia, perguntou: Quem dá banho no seu cachorro? Ela, com um sorriso maroto, respondeu: O petshop, ué!!! É assim que ela vai fazendo, por onde passa, vai deixando seus recados, abrindo um pouco mais a difícil estrada da inclusão.

Grávida do segundo filho, já começou a arquitetar planos… É como a gente diz nas Minas Gerais, nós duas juntas é como colocar fogo na palha… Rapidinho incendeia… No telefone, ela me disse: Teacher, eu tava pensando… vou fazer um ultrassom… Não precisou nem terminar a frase. Já combinamos o horário, o endereço e lá fui eu com os dois, ela e Sandro, para o exame. E sua experiência, certamente, contribuiu para outras mamães gestantes e para a conscientização de profissionais da área da saúde.

Na mesma época, ela assistiu a uma matéria do médico que faz ultrassom em 3D. Não deu outra… Tanto fez que acabou descobrindo o contato dele, enviou email, telefonou e acabou indo ao Rio de Janeiro para fazer o exame e receber o molde do bebê em gesso, tudo isso registrado pela TV Record: Boneco de gesso permite a cega grávida reconhecer o filho pelo tato.

Logo em seguida, veio o chá de bebê, outra ocasião festejada e preparada com antecedência pelo Facebook, com muitas trocas de mensagens, convitinho com descrição de imagens e tudo. E de novo, a ligação: Teacher, eu tava pensando que seria muito legal se tivesse audiodescrição no chá de bebê… Achei fantástico poder dar continuidade ao processo de acessibilidade. Acessibilidade JÁ para todos os momentos da gravidez!!!

Fotografia de Jucilene, com um sorriso nos lábios e fones de ouvido, sentada em uma cadeira, passando cuidadosamente os dedos por um macacãozinho azul, com dois presentes no colo.

E lá fomos nós, eu e Fátima Angelo, da VER COM PALAVRAS, munidas com o equipamento móvel de tradução simultânea. Na parede do salão, decorado com bexigas azuis de bolinhas marrons, atrás da mesa de doces, um painel com roupinhas de bebê penduradas em um varal. Do lado esquerdo, uma banheirinha, onde ela pretendia mostrar como dar banho em bebê. Os convidados foram chegando, dentre eles alguns com deficiência visual, que puderam saber, então, quem estava presente, a decoração do salão, como estava vestida a mamãe Ju, como eram os presentes que ela ia desembrulhando, suas expressões e outros detalhes tão importantes para o entendimento, para se sentir contextualizado, incluído e respeitado. Jucilene, usando vestido cinza prata, de alcinhas e com nervuras e um laçarote no peito, os cabelos longos mechados, bem lisos e semipresos, com maquiagem caprichada, entrou no salão segurando o pequeno Fernando em gesso, enrolado em uma mantinha. E durante todo o tempo, pelos fones, ela pôde muitas informações receber e complementar aquilo que suas mãos e dedos hábeis iam descobrindo dos presentes.

O nascimento, aqui no blog registrado (NASCEU FERNANDO – UM PARTO COM AUDIODESCRIÇÃO) foi outra grande emoção. Novamente a ligação para saber o que eu achava, mas sem a confirmação se seria permitida a presença de mais uma pessoa na sala de parto. Como na Promatre Paulista, há uma grande janela de vidro, por onde a família pode acompanhar alguns momentos do parto, já pensamos no plano B com equipamento. Ju foi de novo matéria na TV Record, feita com muita delicadeza. Para quem não viu, aqui está o link: A audiodescrição entra na sala de parto: Nascimento do Fernando – filho de Jucilene e Sandro.

E nossas histórias não param por aí!!! No dia 14 de abril, ganhei um inesquecível presente de aniversário: um piquenique surpresa no Parque do Ibirapuera. Muitos amigos queridos e familiares lá estavam. Foi lindo e emocionante ver Jucilene chegando ao parque molhado pela chuva insistente dos dias anteriores, com o pequeno Fernando nos braços, agora de verdade, segurando também o presente, um pratinho de bolo, sua bengala e mais a sacola do bebê. As palavras, que são minhas ferramentas de trabalho, de repente me faltaram.

Liguei para ela esta semana para avisar que escreveria um post de Dia das Mães com suas histórias. Desde que Fernando nasceu que ela vem comentando como muitas pessoas ainda se surpreendem em saber que ela e Sandro cuidam sozinhos do bebê, levam ao pediatra e outras coisas mais. Muita gente que pergunta se ela troca fraldas, se cuida da casa, se faz isso ou aquilo, como se fosse um verdadeiro assombro…

E mais uma vez, a amiga que gosta de inventar moda, me surpreendeu com seus relatos que abrem caminhos e possibilidades inclusivas. Ela me contou, animadíssima, que tem entrado em grupos de discussão de mamães. Começou com um que viu no programa da Fátima Bernardes: mães de bebês que nasceram em dezembro de 2012. Entrou no grupo como a mãe do Fernando e não como uma mãe com deficiência visual e, a medida que o papo foi rolando e começaram a aparecer fotos, Jucilene contou para as amigas virtuais que tinha deficiência visual, apontando para a necessidade de descrição das fotos. Ela também passou a comentar como fazia isso ou aquilo e quais as adaptações necessárias para determinadas atividades, o que tem sido bastante interessante para as outras mães. Tem entrado, também, em outros grupos que trocam coisas; em lojinhas infantis virtuais de brinquedos e roupinhas, sempre enfatizando a necessidade da descrição. Mães com deficiência visual também são consumidoras de produtos virtuais, mas precisam ter mais informações descritivas sobre cada produto.

Já foi assistir a uma sessão no Cine Materna, mas lamentou não ter audiodescrição. Afinal mães com deficiência visual também têm o direito de frequentar essas sessões…

E para encerrar, Jucilene Braga vai ser matéria da Folha de São Paulo neste domingo, Dia das Mães, em uma entrevista com Jairo Marques.

Um beijo grande querida, já aguardando nossa próxima aventura com audiodescrição!!!

Por Lívia Motta – publicado em 10/05/2013.

17 Comentários para HISTÓRIAS COM JUCILENE – MÃE NA ERA DA AUDIODESCRIÇÃO

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    Querida teacher, após o destempero da mensagem anterior (o que peço desculpa), gostaria de agradecer por tanta dedicação, tanto carinho que faz o seu trabalho. O mundo precisa de mais e mais Lívias para que possamos construir uma sociedade mais justa e acessível. Gratidão por tudo e que felicidade em ler estes recadinhos tão queridos e mais, reencontrar a querida Rosängela. Que delícia! Me lembro deste dia que ela citou, o seu aniversário, pois fiz uma torta para levar, rsrsrs. Foi bem bacana!
    Beijos a todas as mamães atrasado, pois a mamãe aqui estava viajando com os filhotes para comemorar, rs, merecidamente né gente? Afinal sou mamis de 3 filhos lindos! Gianluca e Fernando e o meu queridíssimo filho peludo Charlie!

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    E o Charlie? coitadinho dele. Sempre que Jucilene viaja, vai a eventos… ela está andando mais de bengala do que com seu guia. É triste constatar isso.

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      Obrigada pela visita ao VER COM PALAVRAS, Lucas! O Charlie sempre foi companheiro inseparável da Jucilene, inclusive nos muitos eventos e palestras com audiodescrição que ela compareceu. Agora, nesta fase com o bebê, acredito que é necessário uma adaptação. Um abraço.

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        Lívia, a questão é que um cão-guia não se enquadra na categoria de um animal de estimação comum. A convivência ininterrupta do cão-guia com o usuário, o amor e a dedicação para com seu dono , todas estas características fazem com que essa ligação se torne inseparável durante todo o tempo de vida do cão, não apenas enquanto este é peça importante em eventos e etc. Uma vez que o cão está treinado e preparado para enfrentar diferentes situações, penso que não há qualquer problema na adaptação do bebê. Como disse anteriormente, os laços entre cão e seu dono são extremamente fortes, de maneira que se igualam, dentro de certos limites, é claro, ao de uma mãe e seu filho. Como usuário, fico indignado ao saber de casos dessa natureza. Tanto carinho, tanto amor dispensado por ele, para nada? e o sofrimento desse cão, sabe-se lá onde e com quem esteja agora? Não tenho a intenção de criar polêmica e sei que, em verdade, cada um faz a escolha que lhe convém, porém a impressão que fica é que Jucilene nunca amou seu cão, enquanto que este, tenho certeza, a ama e sente muito sua falta.

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          Lucas, boa tarde. Muito prazer, não me lembro de termos trocado mensagem antes, mas diante de sua mensagem quero dizer que em primeiro lugar não deveria julgar e dizer coisas sem antes saber o que se passa do lado de cá. Acredito que nem você e nem ninguém tem o direito de dizer se amo ou não o meu cão. Aliás, sem tem uma coisa que já fiz muito bem foi defendê-lo da ignorância de pessoas que ainda não sabem respeitar a lei do cão guia entre outras faltas de informação. Por isso, por gentileza antes de dizer qualquer coisa referente a mim ou qualquer outra pessoa, verifique antes, vá conhecer a fundo a pessoa e sua história. Você não quis polemizar, mas já o fez por dizer coisas descabidas, pois sinceramente, não pode e nem deve sair fazendo juízo de valor sem ao menos conhecer as pessoas e suas histórias. Amo sim o meu cão e com ele tenho uma relação muito forte e não preciso provar para você nem tampouco para os outros o tamanho do meu amor por ele. Acho bem bacana quando as pessoas respeitam os outros e suas atitudes. Desculpe, mas me senti bem desrespeitada e ofendida pelas suas palavras sem qualquer fundamento, sendo que não somos nem colegas. Não admito que qualquer pessoa me julgue antes mesmo de saber o que se passa. Agora por gentileza dou por encerrado este diálogo, pois este espaço é muito mais para que possamos fazer dele um cantinho de picuinhas. Acho que aqui tem o propósito de compartilhar experiências e não causar desconforto como a sua mensagem me causou.
          Peço desculpas a Lívia que tanto tem feito por nós com o seu trabalho incansável de acessibilidade, ter que divulgar algo tão desnecessário.
          Caso queira saber de mim por mim e não pelos outros, por favor o meu facebook é Jucilene Braga. Fique a vontade e me adicione que podemos conversar e aí sim poderá emitir qualquer opinião sobre mim e minha conduta, o que na verdade procuro não fazer isto com ninguém, porque quem sou eu para apontar o dedo para as pessoas.
          Se quiser, também pode adicionar o face do Charlie, que criei justamente para ajudar a dismistificar tantas coisas a cerca do cão guia. Realmente ele é mais do que um simples cão de estimação. Ele é meu companheiro, meu amigo, meu terceiro filho.

          Um abraço e passe bem.

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    Querida amiga Lívia, como sempre vc continua emociando a todos com suas palavras recheadas de detalhes,grande percepção
    e muito carinho e amor. Parabéns a vc grande MÃE e a Jucilene com sua linda história de vida , que com certeza se tornou colorida depois que te encontrou. Forte abraço, Rosana

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      Muito obrigada, querida amiga, Rosana!!! A Jucilene sempre nos surpreende com suas ideias inclusivas e inovações, abrindo caminhos para outras pessoas com deficiência visual. Beijo.

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    Olá, Lívia! Sempre fico emocionada com seus posts, principalmente quando se trata da Juscilene. Ela incontestavelmente contribui para a redução das barreiras. Ah, e você, Lívia! Seu jeito de escrever, sua delicadeza são comoventes! Parabéns!

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      Para mim é sempre uma alegria receber seus comentários, Jacqueline!!! Muito obrigada pelo carinho! Um beijo.

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    Conheci a Jucilene há alguns anos atrás na Universidade são Marcos. Ela estudante do curso de psicologia e eu funcionária da biblioteca. Nunca esquecerei o dia em que os colegas resolveram fazer uma festinha surpresa para mim e ao ouvi-los combinando, Jucilene se prontificou rapidamente em participar e levar um prato de salgado para a comemoração. E foi com tanto carinho que ela o fez, que me emocionei. Tantos outros momentos nos encontramos e sempre com muito carinho. Foi bom ler seu post e lembrar com carinho de Jucilene. Feliz dia das mães para todas as mamães!!!!

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      Muito obrigada pelo seu depoimento, Rosângela! Um grande abraço.

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    Realmente fiquei muito emocionada com essa sensível e maravilhosa mensagem,pois em alguns momentos me identifiquei com as palavras.Assim como a Ju ,também sou mamãe de uma linda princesa,cuja a deficiência visual favorece o fortalecimento dessa relação a cada dia. Parabéns querida Lívia pelo magnifico trabalho e aproveito a oportunidade para parabenizar todas as mamães!!!

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      Parabéns para vc pelo Dia das Mães e muito obrigada pela msg carinhosa!!!

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    Parabéns a Livia, por colocar em palavras imagens, ações e sentimentos muitas vezes ainda desconhecidos por tantas pessoas, principalmente por nós videntes. O seu trabalho é encantador!
    E um parabéns especial à mamãe Jucilene que nos ensina a cada gesto, com coragem e sabedoria, que o amor de mãe não tem limites. Sou sua fã. FELIZ DIA DAS MÃES!

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      Muito obrigada, querida Adriana!!! A Jucilene é mesmo danada… Vive criando oportunidades para exercitar cidadania e inclusão. Beijo grande.

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    Fiquei mega feliz em ver essa matéria. Me lembro de Jucilene quando tivemos uma aula na faculdade Sumaré com seu cão guia Charlie. Ela é um exemplo de força!!

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      Tivemos momentos memoráveis juntas, não foi???? Beijos com saudades.

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