As duas apresentações com audiodescrição da performance VARAL DE NUVENS que aconteceram no Parque do Ibirapuera, no Jardim das Esculturas, nos dias 02 de maio e 13 de junho, foram encenadas em um cenário perfeito: céu azul, muito sol, uma brisa suave que balançava os tecidos finos e despenteava os cabelos, canto da passarinhada, interesse do público que foi se acomodando no gramado, em torno das esculturas, ou à sombra das árvores.
Mas o que é mesmo uma performance? É um gênero artístico, desenvolvido desde os anos sessenta, que resulta da fusão de expressões como o teatro, o cinema, a dança, a poesia, a música e as artes plásticas, com objetivo de interagir mais diretamente com o público. Este tipo de expressão artística teve origem em algumas manifestações do movimento futurista, nomeadamente nas ações desenvolvidas pelo seu fundador, Filippo Marinetti e foi muito utilizada pelos artistas dadaístas e surrelistas, tal como pelos membros da escola de arte Bauhaus e também pelo Grupo Gutai do Japão. (http://www.infopedia.pt/$performance-art)
A primeira performance que audiodescrevemos foi INTENTO, um solo da atriz Estela Lapponi, apresentada na Mostra Mais Sentidos no Teatro Sérgio Cardoso, em outubro de 2013, com roteiro e narração de Andréia Paiva.
Entender as especificidades desse gênero, a quem se destina, onde e por quem será encenada e quais são os argumentos coreográficos; saber que a cada apresentação, poderá haver diferentes formações coreográficas de acordo com a interação da plateia, tudo isso é importante para a elaboração do roteiro de audiodescrição e para a preparação do audiodescritor.
O Jardim das Esculturas, cenário da apresentação, foi projetado por Roberto Burle Marx e inaugurado em 1993. Tem trinta esculturas expostas em uma área de seis mil metros quadrados, sendo um dos principais acervos brasileiros a céu aberto. As esculturas estão distribuídas por grandes canteiros com árvores frondosas, palmeiras, grama e pedrinhas, contornados por caminhos de concreto.
Na primeira apresentação da performance, participaram 4 pessoas com deficiência visual e na segunda, apenas uma, mas em ambas várias pessoas sem deficiência quiseram conhecer o recurso e assistir com fones e receptores.
Para quem não foi, transcrevo abaixo um trecho bem curto do roteiro para mostrar a delicadeza e suavidade do espetáculo do grupo Lagartixa na Janela, dirigido por Uxa Xavier, artista e educadora da dança, que investiga a linguagem da dança no espaço urbano, tendo como público alvo o universo infanto-juvenil. Um privilégio poder conhecer e acompanhar o trabalho do grupo, interagir com a diretora, produtora e bailarinas, participar dos ensaios no parque, assistir à performance no SESC Santo Amaro.
As cinco jovens bailarinas, usando roupas de tecidos estampados, listrados e xadrezes, em tons de vinho, roxo, lilás e azul piscina, com meias coloridas, saem de dentro do MAM, silenciosas e sorridentes, e espalham-se pelo gramado. Cada uma dirige-se para uma escultura diferente, tocando pequenos apitos de madeira que imitam o som dos pássaros.
Taís encosta-se no Relógio do Sol, uma escultura de ferro pintada de preto, alta e fina, com aproximadamente 3 metros de altura. Susana vai em direção a uma grande escultura de alumínio fundido que lembra uma casca de árvore. Tatiana abaixa-se no meio de um escultura intitulada Sectiones Mundi, que parece um labirinto, com metade de um círculo de concreto e ferro ao centro. Bárbara deita-se sobre uma escultura de concreto com oito peças que lembram cornetas colocadas na horizontal.
Taís esconde-se atrás do Relógio do Sol. Aparece. Susana abaixa-se, apoia-se no ponto mais alto da escultura que parece a casca de uma árvore.
Tatiana levanta-se lentamente. Movimenta e inclina o tronco para frente e para trás.
Bárbara move-se para direita e para esquerda. Parece curiosa, inquieta… Levanta-se, inclina o corpo e a cabeça para trás…
Usam o apito de madeira para emitir sons de passarinhos. Os pássaros escondidos na vegetação exuberante do parque parecem responder…
As bailarinas movimentam-se devagar, deixando o calor do sol esquentar a pele, sentindo a brisa do vento, ouvindo o som dos pássaros. As pessoas em volta observam silenciosas, apontam, sorriem. Algumas sentam-se no gramado, outras procuram a sombra das árvores.
As meninas bailarinas seguram cuidadosamente um pedaço de pano rosado, que assemelha-se a uma nuvem. Colocam na cabeça como que equilibrando a nuvem, algo tão precioso e frágil.
Tatiana coloca sua nuvem atrás do pescoço.
Dão alguns passos com os braços abertos, erguendo as nuvens para o alto. Erguem a nuvem para o alto com uma mão, com as duas… Taís nina sua nuvenzinha carinhosamente, como se fosse um bebê. Bárbara coloca a sua nas costas. Algo precioso, suave que pode desfazer-se a qualquer momento.
As bailarinas aproximam-se. Taís abre seu pedaço de tecido. Sua nuvem desmancha-se. Na sequência, as outras bailarinas vão abrindo seus tecidos, e fazendo formas com eles. As nuvens movimentam-se no céu com o sopro do vento, desenhando formas diversas. Na terra, as bailarinas fazem formas de bichos com seus tecidos brancos.
Bárbara sacode seu tecido a frente do corpo, como se fosse a grande tromba de um elefante. Aline abaixa-se e seu movimento desenha a corcova de um camelo. Em seguida amarra o pedaço de tecido na cabeça, deixando as pontas soltas como se fossem os chifres de um grande alce.
Separam-se, correndo com os tecidos ao vento.
Muito interessante poder perceber e acompanhar a reação da plateia, a interação das crianças com as bailarinas e com as atividades que lembram jogos da infância, como uma amarelinha desenhada com gravetos no chão de pedrinhas, uma pipa, ou a fogueira feita de pequenos galhos de árvores que vão sendo gradativamente colocados no centro de um quadrado feito com tecidos.
Os depoimentos de Cristiana Cerchiari, professora e consultora em audiodescrição, e de Edgard Jacques, bailarino, que lá estiveram, destacam percepções e elementos que compuseram a cena.
“Sábado tive o privilégio de ver um espetáculo de dança com audiodescrição arrasadora e suporte excelente da empresa VERCOMPALAVRAS. Teve sol para nos bronzear, vento para fazer as folhas do roteiro de AD voar, interferência nos radinhos em razão do vento, interação entre a plateia e as bailarinas… Foi o primeiro espetáculo ao ar livre com AD que assisti. Que venham os próximos!” Cristiana Cerchiari
“De acordo com a pouca percepção que tenho, não consigo imaginar outra maneira para um deficiente visual acessar um espetáculo de dança, senão pela audiodescrição. No caso de “Varal de Nuvens”, a situação não poderia ser diferente. Por se tratar de uma performance realizada em local aberto, a primeira sensação que se tem é a de que estamos prestes a enfrentar algo extremamente energético e rude. Entretanto, segundo informações que me foram passadas, pude concluir que a coreografia é sim energética, mas é igualmente suave e de fluidez inegável. Assisti ao número num grande parque da cidade de São Paulo, um lugar que, na perspectiva de um cego, dado o seu tamanho, sua imponência, pode parecer opressivo. Contudo, ao me deparar com a dança do grupo LAGARTIXAS NA JANELA, tal hostilidade se perdeu. A sensação que carreguei para casa aquele dia foi a de que o lugar também a mim pertence, eu que não enxergo. Se o propósito da apresentação era mudar a relação que a pessoa tem com o espaço público, ela teve grande êxito. Passei, por alguns instantes, embevecido com a impressão de que me tornei íntimo daquele gigante arborizado.” Edgard Jacques
Por Lívia Motta – em junho 2015.
BOA TARDE
belíssimos o registro, o excerto do roteiro e os depoimentos. parabéns, meninas da ver com palavras, artistas e público! cultura acessível faz mesmo bem pra todo mundo! beijos comovidos.
Querida Mimi, muito obrigada por acompanhar nosso trabalho de pertinho e vibrar conosco por tantas oportunidades de tornar a arte acessível para todos os públicos!!! Beijos felizes, Lívia
Obrigada, querida Mimi!!!