AUDIODESCRIÇÃO E OS DIREITOS DO CONSUMIDOR

Foto do mapa tátil instalado no Espaço Perfume Arte e História em São Paulo. 

No dia 15 de março, comemorou-se o  Dia Internacional do Consumidor. Nada mais apropriado para esse dia que o artigo de Mara Gabrilli sobre os direitos do consumidor com deficiência, direitos esses que nem sempre são respeitados nos mais diversos segmentos. Mara aponta para a constrangedora situação que viveu ao tentar desembarcar no Aeroporto de Cumbica; a frustrada tentativa de compra de Julie Nakayama; as dificuldades de Ricardo Sigolo com os materiais em braille; dentre outros exemplos.

Jairo Marques, no mesmo dia, também em artigo publicado na Folha de São Paulo sobre o Carnaval, discute as dificuldades vividas pelas pessoas com deficiência devido à falta de acessibilidade e cobra mais rampas, pisos táteis, audiodescrição, elevadores e outras facilidades arquitetônicas e sensoriais.
 Pego uma carona nas questões levantadas por Mara e Jairo para destacar a importância de outros recursos de acessibilidade, dentre eles a audiodescrição, para o melhor atendimento ao consumidor com deficiência visual.
Muito tem se falado sobre consumo consciente, o impacto dos hábitos de consumo no meio ambiente, a questão da mão de obra escrava, o trabalho infantil e o uso de matérias primas ilegais. Pouco tem sido discutido, entretanto, a respeito das necessidades de consumo das pessoas com deficiência visual, e muito menos tem sido feito em termos de produtos com alguma adaptação, como etiquetas, embalagens e cardápios em braille, pisos, maquetes e mapas táteis, audiodescrição em produtos audiovisuais, preparação de atendentes, por exemplo.
Locais de lazer, lojas e estabelecimentos com produtos diferenciados e acessíveis que respeitem os direitos do consumidor, que ofereçam oportunidades de consumo informado com independência e autonomia, certamente, atrairão mais consumidores e fidelizarão mais clientes. Cito abaixo alguns lugares que já dispõem de recursos de acessibilidade e de atendimento que contemplam e respeitam os direitos do consumidor de produtos culturais com deficiência visual.
O Espaço Perfume Arte e História, cujo mapa tátil ilustra essa matéria, dispõe de outros recursos de acessibilidade, além do mapa que orienta e dá informações essenciais para o conhecimento do local como piso tátil, audioguia com audiodescrição, banheiro adaptado, elevador, carrinho com frascos de diferentes tamanhos e formatos que podem ser tocados, e monitores preparados para o atendimento a pessoas com deficiência.
O Teatro Vivo é outro exemplo de espaço acessível que respeita o consumidor de produtos culturais e que já se tornou referência. Lá, a audiodescrição, piso e mapa táteis, programas em braille e ampliados, cadeiras para pessoas obesas, espaços para cadeiras de rodas no meio das fileiras centrais, monitores de LCD presos ao teto, ao fundo do teatro, para emissão de legendas e interpretação em LIBRAS, compõem a estrutura física de acessibilidade.
A Pinacoteca do Estado, com a Galeria Tátil de Esculturas Brasileiras, a qual dispõe de audioguia com audiodescrição, textos e etiquetas em braille e ampliados, piso tátil; o Museu do Futebol com maquetes táteis, quadros em relevo com jogadores em posições estratégicas no momento do gol, e monitores preparados para orientar visitas, são locais que se tornaram também referência em acessibilidade.
Que a audiodescrição é uma necessidade nos teatros, cinemas, museus e outros centros de lazer, isso já é mais do que comprovado pelo número expressivo de pessoas que assistiram, visitaram e puderam usufruir e desfrutar de seus direitos de consumidores de produtos culturais nos ainda poucos locais que oferecem o recurso. Feita ao vivo em peças, óperas, espetáculos de dança, seminários, ciclos de palestras, eventos sociais; ou gravada em filmes, documentários, audioguias para museus, mostras, exposições e audiolivros, a audiodescrição coloca o consumidor dos produtos culturais em igualdade de condições, atendendo e respeitando seus direitos.
Precisamos, entretanto, ampliar o seu uso, difundi-la, torná-la mais conhecida e popular, para que mais produções possam incluí-la em seus orçamentos e, também, pensar nas possibilidades de uso do recurso em outros contextos, o que poderá contribuir para fazer valer o direito dos consumidores com deficiência visual.
Em breve, recursos de tecnologia assistiva como: leitores de códigos de barras que dão informações técnicas sobre produtos, cartão digital com tecnologia de rádio identificação,  aparelho para reconhecimento de cores, os quais vem sendo  desenvolvidos e testados por pesquisadores da área de computação – alguns já sendo utilizados nos Estados Unidos, Europa e Japão – chegarão ao mercado e muito poderão contribuir para que  compras e outras atividades sejam feitas com independência e autonomia. 
Enquanto toda essa tecnologia não está disponível para grande parte da população com deficiência visual,  enfatiza-se a necessidade de preparação de atendentes que serão mediadores no processo de consumo. Conhecer o público com deficiência, suas necessidades, recursos que podem colaborar para que tenham pleno acesso a produtos e serviços, tudo isso pode e deve ser apresentado e discutido em treinamentos de atendentes para shopping centers, supermercados, lojas, restaurantes, e hotéis, profissionais como guias e monitores de turismo, professores de academias e outros.  Saber o que é a audiodescrição, como e onde é utilizada, seus benefícios, ter acesso a depoimentos de pessoas com deficiência visual, será essencial para que possam refletir sobre a importância da descrição para pessoas com deficiência visual e, desta forma, inserir mais elementos descritivos em seus atendimentos.
Chegar em um shopping center, em uma loja de departamentos para fazer compras e poder contar com a atenção de atendentes preparados que poderão descrever o local, orientando sobre produtos, incluindo suas características e outras opções de modelos, marcas, cores e estilos; fazer uma excursão, passar alguns dias em hotel, em local de turismo;  ir a um restaurante, frequentar uma academia, todas essas atividades serão mais completas e significativas se a descrição for utilizada como ferramenta, como complementação para as informações que são fornecidas pelos outros sentidos como o tato, olfato e paladar. Que atendentes, instrutores, garçons, guias turísticos, recepcionistas, professores, possam transformar imagens em palavras, para dar às pessoas com deficiência visual a oportunidade de fazer escolhas informadas e, ao mesmo tempo, ampliar seu conhecimento sobre lugares, produtos e equipamentos.
Não quero dizer com isso, que em todos os lugares deverá haver sempre a presença de um audiodescritor de plantão. Quero incentivar, isso sim, práticas mais descritivas em contextos diversos. A descrição pode sim contribuir para ampliar o entendimento e ajudar o consumidor com deficiência visual em suas escolhas. O depoimento de Jucilene Braga sobre consumo e pessoa com deficiência visual ilustra o discutido acima:
“O fato de ser uma pessoa cega não me faz diferente das demais mulheres que não possuem qualquer tipo de deficiência. Adoro consumir, frequentar lugares interessantes e ainda mais se a companhia é agradável. Quando o assunto é compras para renovar o estoque da moda, sou bem detalhista. Sou do tipo que ao entrar na loja peço o auxílio da vendedora e ao tocar numa peça já pergunto tudo como cor, estampas e tudo o que possa compor. Peço dicas também de combinações entre outras peças e em instantes já tenho dúzias de dúvidas para escolher realmente o que pretendo comprar e lógico, acabo levando o que preciso e o que desejo.
Convivendo cada vez mais com a audiodescrição, pude notar o quanto também tenho exigido dos locais frequentados. Recentemente fui jantar num restaurante muito bacana com meu namorado para comemorar mais um mês de união. Acontece que em meio ao clima romântico, música ao fundo, a sensação térmica perfeita, senti que faltava algo para completar as informações do meu mapa mental. O garçom se aproximou da nossa mesa e não resisti. Pedi que nos descrevesse o ambiente, pois me parecia um lugar muito bonito e talvez o imaginado pudesse ser bem diferente do real. Foi uma experiência bem interessante, pois ele de uma maneira muito natural, fez uma descrição rica em detalhes e com certeza completou o que faltava. Percebi o quanto é importante saber onde estamos. Podemos estar em qualquer lugar, mas quando sabemos a riqueza de detalhes do local, sem dúvida que fica muito mais gostoso, prazeiroso estar e permanecer.
 
Se eu não tivesse a iniciativa de perguntar, certamente, não saberia que o ambiente era composto por detalhes inspirados no cinema da década de 50, com fotografia de uma artista da época, que o garçom fez questão de pesquisar o nome e veio nos dizer no final do jantar quem era a moça.
 
Outra experiência também pra lá de especial, foi uma viagem que fizemos para a comemoração do meu aniversário. Fomos para uma ilha de rara beleza e por onde íamos era de prache perguntar sempre tudo sobre os locais visitados. Após ter vindo de lá, indico com muita propriedade, pois avalio como um lugar lindo e maravilhoso para se passar momentos inesquecíveis ao lado de pessoas especiais.
 
Antes não dava muito importância para esta história de descrever, mas hoje faz parte quando vou em algum lugar seja para fazer compras ou passear. Por isso, peça você também a descrição de algo e vai ver como fará muito mais sentido.”

 Por Lívia Motta (publicado em 27/03/2011) Colaboração de Jucilene Braga e Paulo Romeu Filho.

2 Comentários para AUDIODESCRIÇÃO E OS DIREITOS DO CONSUMIDOR

  1. avatar

    Achei bem interessante o artigo, inclusive estou pensando em utilizá-lo como fonte de pesquisa com uma turma em que estou mediando o desenvolvimento de um projeto sobre direitos do consumidor.
    Alexandre

    • avatar

      Caro Alexandre,

      Obrigada pela visita ao VER COM PALAVRAS! As pessoas com deficiência têm o mesmo direito de acesso a bens culturais e a serviços que as pessoas sem deficiência, entretanto os recursos de acessibilidade que possibilitam a equiparação de oportunidades ainda não estão presentes em todos os locais e ainda são desconhecidos da grande maioria. Vc como professor pode contribuir para que esses recursos sejam cada vez mais disseminados e aplicados. O desenvolvimento de projeto sobre o tema com seus alunos é um ótimo começo. Boa sorte!!!

Deixe um comentário

Nome:

E-mail::

Links:

Deixe seu comentário: