O CISNE NEGRO COM AUDIODESCRIÇÃO: UMA DESCOBERTA

Foto colorida de Nina, de perfil, usando tutu preto tomara que caia, com corpo bordado com pedrarias, olhos contornados de preto, coroa preta brilhante sobre cabelos presos, luvas que se assemelham a penas.

Fazia tempo que eu queria assistir ao filme O CISNE NEGRO, estrelado por Natalie Portman que faz o papel da bailarina Nina, tão perfeita em sua técnica, tão comedida em seus modos, que nos remete à deliciosa música de Chico Buarque: Ciranda da Bailarina que diz: todo mundo tem pereba, marca de bexiga ou vacina, piriri, lombriga, ameba, coceira, frieira, falta de maneira. Só a bailarina que não tem…

Natalie ganhou o Oscar de melhor atriz por sua interpretação de prima ballerina no famoso balé de Tchaikovsky. O filme é um thriller, um suspense de primeira, repleto de cenas tensas, que deixam o espectador indeciso se é sonho ou se é realidade. Cenas que arrepiam os cabelos do braço e dão um frio danado na espinha. Cenas daquelas que necessitam de uma boa almofada na frente dos olhos, tamanho é o medo ou susto que provocam.
No sábado passado, consegui, finalmente,  assistir ao tão esperado filme. Eu já tinha ido conferir o ótimo trabalho do pessoal da Iguale no FESTIVAL SESC MELHORES 2012,  na sexta feira, em Capitães de Areia, com os amigos Laércio Santana, Anésia, Paulo Romeu e Márcia Caspary, audiodescritora de Porto Alegre. Animada também com ambiente acolhedor do Cine SESC, o simpático café e o bom papo, resolvi repetir a dose no dia seguinte, desta vez só com a Márcia. Lá encontrei a Cristiana Cerchiare e outros amigos com deficiência visual. Fiquei surpresa e muito feliz com o número de pessoas com deficiência visual saindo de uma sessão, chegando para a outra. Maurício Santana confirmou que o público vem aumentando ano a ano. Isso significa que as pessoas com deficiência visual que experimentam o recurso, aprovam. Passam a apreciar ainda mais o cinema, essa arte fantástica que pode e precisa ser acessível a todos os públicos.
E não é que, ao assistir O CISNE NEGRO, descobri uma coisa muito interessante!!?? Não precisei colocar uma almofada, a bolsa, ou as mãos, na frente dos olhos nas horas mais tensas do filme, o que costumo fazer, principalmente em casa, e nem ficar perguntando para quem estava do meu lado, o que estava acontecendo. Com os olhos fechados, protegida pela escuridão do cinema, me senti menos amendrontada pela agressidade das imagens, mas não alheia aos fatos, pois pude acompanhar tim-tim por tim-tim tudo o que estava acontecendo, sem perder nada, informada pelas vozes profissionais de Washington, que fazia a audiodescrição, e de Leo, que fazia o voiceover. Pois é, a audiodescrição conseguiu baixar incrivelmente o meu grau de stress ao acompanhar o filme de suspense. Descobri, assim, caros amigos leitores, mais um uso para esse incrível recurso de acessibilidade comunicacional: ótima companhia para assistir aos filmes de suspense… Sem dose alta de stress, mas completamente informada…
Convido, pois, todos aqueles, que assim como eu, precisam colocar uma almofada ou travesseiro para amaciar o impacto da imagem em filmes de suspense, mas que não querem perder o fio da meada, que experimentem o recurso. Peçam os fones de ouvido e receptores em filmes ou espetáculos acessíveis ou mesmo aluguem filmes com o recurso em vídeo locadoras (já existem vários títulos disponíveis) e permitam-se conhecer a audiodescrição. Tenho certeza que vão apreciar…
Comentei com a minha filha sobre a recente descoberta e ela levantou a hipótese que a audiodescrição poderia, então, tirar a emoção da cena. Argumentei que a audiodescrição acompanha sim a emoção da cena, transformando as imagens em palavras, permitindo que as pessoas com deficiência visual construam imagens mentais. Além das palavras, também as escolhas lexicais mais adequadas, a música, os efeitos sonoros, a entonação dos narradores, contribuem para criar o clima, surpreender, emocionar. Mas, devo admitir que, para nós videntes, as imagens ainda são mais impactantes. Pelo menos para mim, naquele momento, as palavras foram um pouco menos arrepiantes que as imagens de pele se dilacerando, do sangue escorrendo, cenas realmente dolorosas de se ver.
O tema suspense e audiodescrição merece sim uma investigação mais detalhada, uma pesquisa que levante dados e que busque embasamento teórico tanto para a linguagem como para o impacto, susto e medo provocados no espectador, estabelecendo um paralelo entre o público vidente, sem audiodescrição e o público com deficiência visual com e sem audiodescrição.
Por Lívia Motta – em 23 de abril de 2012.

16 Comentários para O CISNE NEGRO COM AUDIODESCRIÇÃO: UMA DESCOBERTA

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    O filme Cisne Negro é maravilhoso, com muitos detalhes, figurinos e expressões. Não deve ter sido fácil para quem o audiodescreveu ….Mas aposto que ficou ótimo. Não cheguei a ver com audiodescrição mas quero muito.

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      Olá Cláudia,

      O filme O CISNE NEGRO ainda não foi lançado com audiodescrição. Eu assisti a uma apresentação ao vivo no Cine SESC. Foi muito legal sim.
      Beijos.

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    Lívia
    Uma questão que venho pensando desde que tive contato com a audiodescrição é essa relatada pela sua filha. É um recurso muito interessante para o deficiente visual, mas não dá para negar que “uma imagem vale mais que mil palavras”.
    Eu assisti o filme, é interessantíssimo, por mais que tenha a audidescrição, não dá para reproduzir tanta intensidade.
    Mas para a pessoa com deficiência visual é um recurso que atende e promove o acesso ao conhecimento.
    Magally Ferraz

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      Esse, sem dúvida, é o grande desafio do audiodescritor: conseguir traduzir o visual para o verbal tentando captar também a emoção contida nas imagens e colocá-las nas palavras. Por isso que dizemos que a audiodescrição é uma arte, a arte de transformar imagens em palavras. Beijo grande.

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    Olá livia!
    Ainda nao assisti Capitães de Areia nem Cisne Negro, mas precisio assistir. A Marcia comentou comigo sobre a experiência e estou louca pra ver! Parabens pelo teu trabalho e pelo blog!
    Beijo

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      Cara Mariana, muito obrigada pela msg e pela visita ao VER COM PALAVRAS! É um prazer falar com vc. Marcia já havia me falado de vc. Entrei no seu blog Três Gotinhas e gostei muito de saber da origem do nome. Como apreciadora de café, vc deveria experimentar sem nenhuma gotinha. O gosto fica muito melhor… Beijo grande.

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    Lívia, valeu a dica! Adoro filmes de suspense e de terror e sempre perco as cenas mais assustadoras por puro medo. Taí a audiodescrição como um excelente recurso para assistirmos a um filme sem sofrimento, hein? Dei muita risada quando li seu post e deixo uma sugestão: se a emoção para este gênero de filme é dada pela interpretação do narrador de AD, será mais ainda se acompanhada por uma voz masculina grave, pesada, lenta, linear. Mais um elemento a compor a cena. Quem não se lembra da inesquecível voz do demônio em O Exorcista, para mim, ainda insuperável em terror? Adorei o post, um beijo!

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      Lucia querida, muito obrigada pela msg e pela visita ao VER COM PALAVRAS. Vc, além de companheira audiodescritora, é agora companheira blogueira. Seus textos têm sido muito apreciados. Sem dúvida, OUTROS OLHARES é mais outro ótimo espaço de discussão e reflexão sobre o recurso. E não é bom essa obrigatoriedade da escrita, do registro sistemático do que fazemos, de como fazemos???? Penso que podemos contribuir com outras muitas pessoas interessadas no assunto, não é verdade? Além disso, a interatividade do blog, cria mais oportunidades de reflexão e de aprendizagem mesmo. Beijo e vamos em frente…

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    Profe Lívia querida!

    Eu já havia assistido o filme sem ad. Mas com o recurso ele ganhou em detalhes para mim! Concordo com as meninas e adorei os comentários acima! Além de ter sido um imenso prazer estar ao seu lado, compartilhar da emoção dos demais e ver o trabalho impecável da Iguale de perto! Valeu cada minuto! Inesquecível! Obrigada!
    Beijo

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      Marcia, minha amiga, foi mesmo um programa memorável!!! Muitas reflexões e discussões proveitosas. Adorei!!! Vamos repetir a dose e não esqueça de trazer a Mimi da próxima vez… Beijos da Paulicéia.

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    Livia querida! Concordo com o comentário de sua amiga Marta; é quase um trailer do filme…..
    Assisti tb e adorei! È um filme deveras impactante e pelo qual, torcemos para que tenha outro final. Pelo menos assim que gostaria. Qto ser assistido pelos deficientes, acho que dependerá muito do narrador. E, como sei que eles são formidáveis, nada será perdido.
    Como sempre, vc usou suas palavras e comentários maravilhosamente….
    Um beijo
    Inês

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      Inês querida, proponho que a próxima vez que vc vier a São Paulo que vc assista a um filme com audiodescrição para ter essa incrível experiência. Que tal?
      Beijo grande.

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    Oi, Lívia.
    Ouvir as palavras do Leo e do Wasshington e o áudio do filme foi suficiente para me deixar com as mãos suadas, além de aterrorizada e tensa. Ainda bem que não enxergo!
    Viva a audiodescrição, e parabéns a todos os envolvidos na produção e leitura do roteiro que disponibilizou esse recurso de acessibilidade. Fiquei cansada só de pensar!

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      Oi Cris!!! Que legal o seu depoimento!!! Leo e Washington atingiram plenamente seus objetivos de acompanhar o ritmo alucinante de suspense do filme e conseguiram transmitir isso para o espectador com deficiência visual. As suas mãos suadas são prova disso, não é? Beijos.

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    Livia, querida

    Nossa… a AD é como bombril: tem 1001 utilidades!

    Não vi o Cisne Negro… embora tenha ouvido falar muito dele. Me identifico com vc, nas cenas de suspense (nem precisa ser de terror). Bom saber desta função da AD, que me parece um airbag (rs)

    Seu comentário foi tão colorido e traz tanta riqueza de detalhes que valeu por um trailer do filme. Parece que a AD brota naturalmente de você – embora saiba que por trás desta enganadora facilidade estão estudos e pesquisas – em suma, uma formação profissional muito séria.

    beijo
    Marta

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      Marta querida, os termos que vc usa são sempre muito criativos. No outro post, vc me impressionou com “ganhamos olhos de ver” e agora a comparação dessa função da AD com um “airbag”. Foi exatamente isso, funcionou como algo para amaciar a dureza da imagem, um verdadeiro airbag… Muito obrigada pelas suas palavras carinhosas. Beijo.

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