Enquanto assistia à transmissão do casamento real, na sexta feira, dia 29 de abril, fiquei pensando em como seria fazer a audiodescrição desta celebração, um evento luxuoso, com tantos detalhes culturais e históricos, realizado na majestosa Abadia de Westminster, repleta de convidados e decorada por muitos plátanos, árvores que nesta época do ano têm folhas verdes em um tom bem vivo, contrastando com o cinza das paredes da igreja.
Prestei muita atenção aos comentários dos jornalistas, estilistas, tradutores, sociólogos e historiadores, e de um bispo da Igreja Anglicana. Cada um deles dando detalhes, trazendo informações de uma área diferente: de vestidos, chapéus, jóias, decoração, história, até o ritual anglicano, os hinos, o protocolo da cerimônia. Informações que completavam a todo momento, aquilo que as pessoas que enxergam estavam apreciando.
Mas e quem não enxerga? Certamente faltaram muitos detalhes descritivos para as pessoas com deficiência visual, detalhes esses que seriam essenciais para o pleno entendimento de tão belo evento. Poder ver com palavras a chegada da noiva na igreja com seu pai, um senhor alto, moreno com cabelos grisalhos, vestindo um fraque preto com colete cinza e gravata cor de vinho, dentro do imponente Rolls-Royce Phantom VI de 1978, limousine real na cor vinho escuro, quase preto.
E ver com palavras o tão esperado vestido de Kate Middleton, desenhado por Sarah Burton – de organza de seda marfim, com corpo de renda transparente sobre corset, mangas longas, saia ampla com pregas largas.
Uma rajada de vento balançou o véu que cobria o rosto da noiva, debruado com renda e preso por delicada tiara de brilhantes Cartier, emprestada pela Rainha. A irmã da noiva, Pippa, uma moça morena, de pela bronzeada, alta e magra, com um vestido também marfim marcando suas curvas, cuidadosamente, arrumou a cauda do vestido de Kate. A noiva, de cabelos castanhos na altura dos ombros, segurava um delicado buquê de flores brancas – lírios do vale, jacintos e uma flor chamada sweet william, com galhos de murta.
E o que dizer da elegância do noivo, um jovem alto, de pele clara, cabelos louros anelados e ralos, olhos azuis, que optou por usar o uniforme de coronel da Guarda Irlandesa – casaca vermelha, com gola alta, punhos e botões dourados, faixa azul atravessada no peito, calça preta com faixa lateral vermelha.
Os chapéus femininos chamaram a atenção pela criatividade, elegância e alguns pela excentricidade como o chapéu da filha de Sarah Fergusson, Beatrice – um casquete bege enterrado no alto da cabeça, descendo até a testa, ornamentado com um grande anel terminado por um laço avantajado e duro no alto com pontas descendo onduladas e contornando o anel.
Os meninos do coro, com cabelos cuidadosamente aparados e penteados, vestindo túnicas vermelhas sobre batas brancas, cantavam orgulhosos os hinos da cerimônia.
A rainha toda de amarelo – vestido tipo casaco de mangas longas sem gola, decote careca, com broche de diamantes, chapéu enfeitado por uma flor, bolsa e sapatos bege – sorria satisfeita com a manifestação popular, de dentro da carruagem, no trajeto da Abadia para o Palácio de Buckingham.
Os cegos brasileiros não puderam ver com palavras evento tão significativo. O mesmo não aconteceu, entretanto, com os cegos canadenses e britânicos. A Accessible Media Inc (AMI) proporcionou aos cegos canadenses o serviço de audiodescrição para que pudessem desfrutar de todas as emoções do evento. A AMI é uma organização não governamental que opera o TACtv (The Accessible Channel) e que atende a mais de cinco milhões de pessoas cegas, com baixa visão, surdas e com deficiência auditiva, pessoas com deficiência intelectual, deficiência física, analfabetos e pessoas que estão aprendendo inglês como segunda língua. No Accessible Channel, todos os programas têm legenda (closed caption) e audiodescrição aberta.
Os audiodescritores canadenses prepararam-se para o casamento real, fazendo pesquisa sobre os prédios históricos, buscando informações sobre o percurso que seria feito pelo cortejo real da Abadia de Westminster para o Palácio de Buckingham, sobre os possíveis convidados, detalhes e termos para descrever trajes de gala e vestidos de noiva. O mesmo eu tive que fazer quando me preparei para descrever o casamento de William e Adriana no final do ano passado; não do Príncipe William, mas do William amigo e professor de informática da Laramara – Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual. Toda a emoção do noivo, da linda noiva Adriana e dos convidados que assistiram à cerimônia com audiodescrição está registrada em: http://www.vercompalavras.com.br/blog/?page_id=97
Os audiodescritores que descreveram o casamento real comentaram que o papel do audiodescritor é diferente de um locutor ou comentarista, porque o primeiro tem que fornecer detalhes visuais, coisa que os comentaristas em geral não fazem por achar que esses detalhes são óbvios. A expressão do Príncipe William ao ver a noiva, ou dos pais da noiva, são exemplos do que os audiodescritores têm que captar no desenrolar do evento. E completaram:
“Nós estamos descrevendo a história e ao mesmo tempo fazendo história. Esperamos que este seja o primeiro de muitos outros momentos significativos que nós poderemos oferecer para nossa audiência.” (Fonte: http://ht.ly/4HMS1)
Também os cegos britânicos puderam ver o casamento real com palavras pela INSIGHT RADIO, a rádio do RNIB (Royal National Institute of Blind People) que apresentou um programa especial com a audiodescrição do evento, incluindo os detalhes da cerimônia, os trajes dos convidados, as cenas dentro e fora da Abadia de Westminster.
Em breve, muito breve, a audiodescrição será uma realidade na televisão brasileira e certamente, muitos serão os eventos a serem transmitidos com o recurso. Profissionais competentes, preparados para a tarefa, não faltam. Graciela e Lara Pozzobon arrasaram na audiodescrição do maior espetáculo da terra: o Carnaval carioca com o desfile das escolas de samba; Francisco Lima e seu time de audiodescritores emocionaram os cegos pernambucanos ao audiodescreverem a Paixão de Cristo em Nova Jerusalém; o Teatro Amazonas vem dando um banho de acessibilidade no Festival de Ópera; o Teatro Vivo já conquistou um público fiel de pessoas com deficiência visual que comparece a todos os espetáculos com acessibilidade; Maurício Santana emplacou os melhores de 2009 e 2010 no Cine SESC; Bell Machado fez do seu Ponto de Cultura um point da AD; além de outros nomes que têm contribuído para o avanço da técnica no Brasil.
Dna Livia,
Enquanto lia este seu artigo sobre o Casamento Real… fiquei imaginando o quanto o trabalho de audiodescrição combina com você… pois vc tem uma forma muito particular de observar e colocar alma nas coisas… Isto é uma verdadeira arte! Parabens!!
Muito obrigada pela msg, querida Gisele, e pela visita ao VER COM PALAVRAS!!!