Estive no sábado na abertura da exposição IMPRESSIONISMO, PARIS E A MODERNIDADE, no Centro Cultural Banco do Brasil. Lá estão oitenta e cinco telas de grandes mestres da pintura como Monet, Van Gogh, Manet, Gauguin, Renoir, Degas e Toulouse-Lautrec, dentre outros, vindas diretamente do Museu D´Orsay para as paredes do CCBB. Que privilégio poder contemplá-las, estar diante de obras tão importantes e aprender mais sobre a arte impressionista.
O impressionismo, surgido na França no século XIX, foi um dos movimentos mais intensos e criativos em toda a história da arte. Os jovens pintores impressionistas expressaram sua arte e forma de enxergar o mundo por meio de pinceladas vibrantes, rápidas e fugazes, com ênfase na cor, luz e movimento. Romperam padrões e normas, chocaram críticos e a sociedade. E como em um clic de uma câmera fotográfica, tentaram captar a primeira impressão, a beleza fugidia, o fugaz, como a doçura ou a tristeza intensa de um olhar, a luminosidade ou as sombras de um lugar.
Visitar uma exposição como essa é fazer um passeio histórico; é conhecer a borbulhante Paris do século XIX, com suas óperas, bailes e seus personagens; e ao mesmo tempo, fugir da cidade, passando pelos campos amarelados e pacatos, entrando pelas casas e encontrando as famílias, as mulheres em seus novos papéis sociais, os operários, as crianças.
Foram muitos os personagens e cenas que chamaram a minha atenção e que me fizeram ficaram parada por alguns momentos, absorta, observando atentamente os detalhes, a luminosidade, a profundidade, o olhar de um, os traços delicados de outro, as tramas, texturas, cores e adereços dos trajes, com uma vontade louca de transformar tudo isso em palavras.Destaco aqui duas mulheres, ambas retratadas por Renoir, uma vestida de negro, outra com uma rosa aberta enfeitando o colo. A primeira, intitulada Madame Darras, um óleo sobre tela medindo 47,5 x 39 cm, com fundo amarronzado, é uma mulher jovem de pele bem alva, olhos e cabelos negros, os cabelos puxados para trás, parcialmente escondidos embaixo de um chapéu preto, de copa alta, abas curtas e arredondadas, de onde desce um voilette, um véu curto com delicados poás negros que cobre seu rosto largo, sombreando sua testa. Uma faixa de tule preta contorna a copa do chapéu e cai em cascata na parte de trás da cabeça. Seus olhos são arredondados, seus lábios rosados, delicadamente contornados, estão cerrados, suas faces têm um leve rubor e sua expressão é séria. Ela veste casaco preto sobre blusa branca com gola de babadinhos que termina com laço de fita preta.
E algumas indagações foram surgindo à medida que o olhar percorria cada pedacinho da obra: O que pensa Madame Darras? Para onde ou para quem se dirige seu olhar sério e compenetrado? É para o visitante atento que com ela troca olhares de cumplicidade? O que provoca esse leve rubor em seu rosto sério?
A segunda, também retratada por Renoir, é um óleo sobre tela, medindo 46 x 38 cm, Mulher com Jabô Branco, é uma jovem de pele alva, cabelos anelados avermelhados, presos em um coque, com uma franja rala e curta que cobre parcialmente a testa larga, grandes olhos azuis que brilham refletindo a luz, sobrancelhas claras e arqueadas, bochechas levemente rosadas, lábios volumosos fechados, parecendo expressar um breve sorriso. Nas orelhas, delicados brincos de brilhantes. Veste uma blusa branca com jabô em torno do pescoço e, por cima, um casaco com fios tramados em tons de marrom com gola preta. Presa ao peito, uma rosa cor de rosa, aberta, com duas folhas verdes. Surpreende a cor amarelada do fundo que ilumina a delicadeza dos traços da gentil senhorita, seus olhos azuis pensativos; o tom sóbrio do casaco contrastando com a alegre rosa cor de rosa que desabrocha no seu peito. Seu olhar azul, um tanto distraído e melancólico parece desviar-se do visitante que a admira.
O poder da arte é exatamente esse, o de surpreender, emocionar, perturbar, fazer pensar. E as pessoas com deficiência visual, como terão acesso? Como visitarão esta linda exposição?
Indaguei sobre os recursos de acessibilidade, sabendo que o Centro Cultural Banco do Brasil já é uma referência em eventos acessíveis. Filmes com audiodescrição e legendas são sempre lá exibidos; o Festival Assim Vivemos, que apresenta curtas internacionais sobre o tema deficiência, todos com recursos de acessibilidade comunicacional, lá tem sido apresentado, para citar alguns. Responderam que o CCBB dispõe de uma equipe de educadores especialmente preparados para mostrar a exposição para grupos agendados.
Concordo que essa é uma das possibilidades de acesso a exposições, entretanto há de se destacar o audioguia, contendo ficha técnica, texto da curadoria e a audiodescrição das obras, outro recurso de acessibilidade que atende não somente a pessoas com deficiência visual, mas visitantes interessados em uma visitação mais informada, com independência e autonomia. Isso acontece em museus do mundo, onde visitantes sem deficiência pagam uma taxa para usar um audioguia e visitantes com deficiência visual são, geralmente, isentos dessa taxa.
Pude perceber que a ficha que fica ao lado de cada obra com as informações técnicas e o texto da curadoria tem letras pequenas e o visitante precisa chegar mais perto para lê-la. Considerando que esta será uma exposição concorrida, esse gesto simples pode ficar comprometido ou comprometer a circulação. Marcos Mantoan, diretor do CCBB-SP, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo (quarta feira, 8 de agosto de 2012), declarou que a mostra será recordista de público na história da instituição, com previsão de receber 600 mil visitantes até outubro.
Outros recursos de acessibilidade como maquetes táteis, como as elaboradas por Dayse Tarricone, obras em relevo, placas em braille, piso tátil e mapas táteis para orientar a exposição – recursos que têm sido utilizados com muita competência em projetos desenvolvidos por Amanda Tojal, são outras possibilidades interessantes para exposições.
Na saída, recebi o Caderno de Mediação – CCBB Educativo 2012, com ilustrações e textos de arte educação, que contam a história do movimento impressionista de uma forma didática, o que certamente complementa e enriquece a visitação à exposição não somente para educandos, mas para todos. Também esse caderno pode ser acessível sendo transformado em um arquivo PDF, com descrição textual de imagens, gravado em um CD, ou em arquivo que pode ser disponibilizado no site do CCBB, para ser lido por leitores de tela. Simples assim…
Exposição imperdível!!! Melhor seria se tivesse mais recursos de acessibilidade…
Por Lívia Motta – publicado em 8 de agosto de 2012.
Parabéns mais uma vez pela forma elegante que nos leva a refletir no quão pequeno é o nosso pensamento. Precisamos abrir esses horizontes.
Muito obrigada, cara Eduarda!!! Vc não acha que também as pessoas que enxergam poderiam se beneficiar com um audioguia? A visita poderia ficar ainda mais rica e informada. Abraços inclusivos.
Esta matéria me fez lembrar a visita ao museu em Belo Horizonte assistindo Caravaggio com a audiodescrição. Para mim foi algo muito marcante que vai estar sempre na memória.
Pois é, Luciana, a audiodescrição pode ser um recurso bastante interessante para quem enxerga também, não é? Transforma a visita à exposição em algo muito mais rico e detalhado. Um forte abraço.
Olá Lívia!
Encanto-me cada vez mais com sua descrição. Planejamento não é algo característico no Brasil, muito menos considerar estatísticas pequenas. A massa homogênea em termos de políticas públicas é o que conta. Não é mais… Ser deficiente é condição e por isso o serviço eficiente se faz necessário. Imutável é a condição da cegueira total, da surdez profunda, do intelecto em desvantagem, tudo bem, mas sigamos em busca do acesso, suporte, facilitação com os equipamentos adequados tal qual a água que corre transpondo os cascalhos do riacho. A beleza dele no todo é essa, com as variações de força e serenidade em cada momento da correnteza. Queremos transpor esses cascalhos com acessibilidade, estarmos amparados na hora exata, com direito à antecipação, planejamento adequado e consideração como público diferenciado para correr junto, gota a gota, no mesmo volume e intensidade que a rota pode proporcionar na dádiva de existir.
Obrigada pela visita ao VER COM PALAVRAS, Adriana! Sua mensagem, com uma bonita linguagem imagética e metafórica, deixa clara a importância da acessibilidade. Beijo grande.
Cara Lívia, como sempre, sua descrição está impecável! Até quem enxerga gosta de ver por seus olhos! Obrigada. Vamos ficar no aguardo de mais acessibilidade. Abraços
Bell
Oi Bell, que prazer receber sua visita aqui no VER COM PALAVRAS! Muito obrigada pelo “impecável” e pelo seu comentário.
Um beijo grande.
Livia, boa tarde.
Gostei muito do artigo. Como sempre, você está sempre atenta propondo melhorias para uma acessibilidade mais plena.
Aqui da minha mesa, pude visualizar os dois quadros:
Madame Darras, e Mulher com Jabô Branco. Que maravilha! é como se eu estivesse lá na exposição diante do quadro.
Farei esforços para visitar a mostra. Espero vivenciar lá a mesma experiência que tive aqui. Um abraço.
Sidney, que coisa boa receber um comentário como o seu!!! Adorei!!!
Livia querida! Que bela sua descrição apreciando as lindas telas da exposição…..De fato, o quadro de Madame Darras impressiona. Que olhar mais enigmático….Que maravilha os deficientes poderem “ver”. Isto ,realmente, é fantástico!!!!
Parabéns, bjos
Ines
Mas poderiam ver bem mais do que duas telas se houvesse mais recursos de acessibilidade na exposição. Beijo.
Olá Lívia, agora sim, sem o captcha fica bem mais fácil! Obrigado por atender rapidamente o meu pleito!! rsrs. Mas como havia tentado comentar ontém, realmente ainda no Brasil a cultura não é para todos, para cegos então menos ainda! E se pensarmos que somos cegos e não enxergamos essas coisas, puxa, somos milhões de pessoas no Brasil segundo o último Censo IBGE, mesmo assim não somos vistos e lembrados. E os cegos somos nós?! Que ironia!! Obrigado por estar sempre atenta a essas questões.
Caro amigo Naziberto,
Muito obrigada pela visita ao VER COM PALAVRAS! Sei da sua luta pelo livro acessível e das dificuldades enfrentadas. Realmente, o número de pessoas que seriam beneficiadas pelos recursos de acessibilidade é muito grande e mesmo sabendo disso, há uma demora na implementação maior desses recursos, não é verdade? Beijo grande.
Bem interessante a descrição das duas telas.
É uma viagem fantástica
Parabéns pela matéria
Obrigada, querida Fátima. Vc é companheira na luta pela acessibilidade cultural. Beijo grande.