Foi no domingo, dia 23/06, que eu, Jumara Bienias e Wagner Caruso fizemos mais um casamento com audiodescrição. O primeiro foi o casamento de Adriana Barsotti e William, na Capela do Instituto Pe. Chico, ela cega e ele com baixa visão. O segundo, na Igreja São Carlos Borromeu, foi de Gláucia, filha dos “Amigos prá Valer” José Vicente e Marilene, os dois cegos.
Desta vez, um casamento batista em um buffet, em Osasco, dos amigos Rafael Maurício e Roberta Morita, ambos cegos. Que emoção e que alegria poder transformar em palavras os delicados e emocionantes momentos, os trajes caprichados e penteados elaborados, a entrada do noivo com sua irmã Kelly, do pai, Sr. José Francisco e de sua esposa, D. Eva, dos padrinhos, das floristas, a entrada triunfal da noiva com seu irmão Renato e todo o ritual da cerimônia. Os noivos, quase todos os padrinhos e vários convidados com deficiência visual puderam acompanhar em cores e detalhes toda a cerimônia e recepção, por meio de aparelhos móveis de audiodescrição, que permite deslocamento pelo local e ao mesmo tempo qualidade na transmissão de som.
A preparação para o evento e a alegria em participar e compartilhar da felicidade dos noivos, começou há 20 dias atrás, quando marcamos um encontro no buffet para dar início ao roteiro e testar o equipamento. Rafael e Roberta me colocaram a par de todos os detalhes da cerimônia, me passaram os nomes dos padrinhos, pais e floristas e a ordem de entrada. Roberta me contou, em segredo, sobre seu vestido tomara-que-caia, de renda rebordada, com um bolerinho de mangas longas por cima, a grinalda presa por uma tiara de delicadas flores de strass, a cauda de 70 cms com a beirada rebordada e o buquê de rosas vermelhas salpicado com pequenos cristais.
Participar do dia da noiva, como fiz no casamento com audiodescrição de Gláucia, seria inviável pois a distância entre o buffet e o salão onde seria feita a aprontação era grande; e ainda faltava completar o roteiro com os trajes dos padrinhos. Para isso, chegar mais cedo é mais do que necessário.
Fizemos um ensaio como manda o figurino: os noivos com os fones de ouvido e receptores entraram no buffet já enfeitado para outro casamento, com música e tudo… Percorreram uma parte do salão, subiram a escadaria de mármore negro no lado direito que dá acesso ao mezanino e começaram a ser felizes ali, naquele momento, experimentando e saboreando a emoção e a alegria do casório. Perfeito!!! A empolgação foi tanta que nem vimos o tempo passar… Só percebemos que era hora de ir embora com a chegada dos convidados e noivos do casamento do dia…
De posse das informações, fiquei aguardando a chegada do vídeo da retrospectiva com muitas fotos registrando a história de cada um e o relacionamento do casal. “Fotos que marcam momentos, celebram um tempo, criam marca, deixam vínculos. Uma foto é para ser vista, mas pode ser ouvida. Fotos contam histórias e quem escuta participa, quem não vê pode saber, reviver o que viveu, ser feliz porque viveu o momento eternizado pela foto que conta…” (Motta, 2004)
E comecei com a foto de Roberta bebê, usando toquinha e macacão brancos, no colo de sua mãe, uma senhora japonesa, no empório do pai, comemorando o primeiro aniversário dela. Ao fundo, sobre o balcão, um bolo. E mais outras de cada etapa de vida dela, no velocípede, na piscina, no Japão. Depois foi a vez de Rafael, a primeira ainda bebê, peladinho, os olhos grandes e curiosos, de bruços sobre a cama com colcha florida. Teve foto da formatura de pré-primário, com beca e capelo, chapéu quadrado com cordão e pingente na ponta; do choro na cozinha, do jogo de xadrez, do acampamento. E, finalmente, fotos dos dois juntos, abraçadinhos, trocando beijos, passeando pela Liberdade, pelo Rio de Janeiro.
Tudo pronto, lá fomos nós para o tão esperado momento, com bastante antecedência, de forma a poder completar as informações no roteiro. O noivo, um jovem moreno, de estatura mediana, cabelos pretos bem curtos com topete, olhos pequenos e amendoados, sorriso largo e constantemente estampado no seu rosto, usando fraque cinza prata sobre camisa branca, colete e gravata prata, enfeitada com broche de strass, já havia chegado. Ansioso pela chegada da amada, andava de um lado para o outro, recebendo os convidados e escutando as informações pelo foninho e receptor cuidadosamente instalados em sua roupa.
A medida que os padrinhos iam chegando, Wagner e Jumara ofereciam e instalavam os equipamentos, escolhendo os locais mais adequados de forma a não interferir no visual bem cuidado. Até as bolsas das madrinhas foram locais apropriados para clipar os receptores. Enquanto isso, eu ia completando o roteiro com a caracterização física de cada um, observando cuidadosamente e registrando os ternos escuros e camisas em tons clarinhos com gravatas na maioria listradas dos padrinhos; os vestidos longos com decotes, fendas, alças, babados e pedrarias das madrinhas.
Além dos padrinhos, os convidados com deficiência visual também receberam fones e receptores; alguns experimentando a audiodescrição pela primeira vez. Quase todos satisfeitos em poder contar com o recurso. Um deles, bem humorado, comentou que seria a primeira vez que iria saber das mulheres bonitas, como são e seus trajes, pois sua esposa costuma dizer que “só tem mulher feia nas festas”. Apenas um casal com baixa visão preferiu não utilizar o recurso por achar que não seria necessário.
Enquanto esperávamos pela chegada da noiva, os convidados e padrinhos conheceram com palavras a decoração do ambiente com arranjos feitos com flores brancas e em dois tons de rosa, colocados sobre as mesas redondas de vidro cobertas com tolhas brancas e sobretoalhas em tons de rosa. Foram informados sobre o bolo branco de três andares, enfeitado com fitas de bolinhas e uma delicada cascata de flores brancas, com o casal de noivinhos no topo; os docinhos espalhados entre pétalas de rosa; as lembranças para os padrinhos colocadas na mesa lateral; a árvore repleta de maçãs do amor, penduradas em galhos secos logo na entrada do buffet.
Ficaram também sabendo sobre quem já havia chegado: dentre eles, a elegante madrinha Valéria de vestido azul royal, com um decote ousado na frente e nas costas, parcialmente coberto com uma estola no mesmo tom; as simpáticas irmãs do noivo, Kelly, Sabrina e Sandra, com vestidos tomara que caia em diferentes tons de azul, o de Sandra, estampado com uma alça só; o impecável padrinho Alexandre Toco, de terno preto risca de giz; a extrovertida madrinha Márcia, de vestido verde escuro de renda; a alinhada madrinha Camila, de vestido cor de uva.
Finalmente, fomos avisados da chegada da noiva. Ainda no carro, colocamos o receptor preso nas costas do vestido de Roberta. Os padrinhos foram para a entrada do buffet; o noivo e a irmã Kelly de vestido azul piscina modelo sereia, justo e abrindo-se embaixo, com os cabelos presos em um coque salpicado de strass, posicionaram-se à frente do cortejo. E foram entrando, vagarosamente, caminhando sobre o tapete vermelho, ladeado por colunas de vidro com arranjos de flores brancas e cor de rosa marcando o percurso até o altar.
As floristas, Carol e Kailane, uma com 6 e outra com 8 anos, com vestidos brancos de saia ampla e laço salmão nas costas, flores brancas nos cabelos, entraram com cestinhas; a primeira distribuindo botões de rosa para as madrinhas, a outra espalhando pétalas vermelhas sobre o tapete.
Com a porta do buffet fechada, um músico com casaca preta sobre camisa branca e gravata borboleta de cetim branco, anunciou a chegada, tocando o clarim triunfal, um instrumento de sopro dourado bem fino e longo, onde estava pendurada uma flâmula vermelha de veludo com franjas douradas na ponta.
As portas abriram-se e entrou a noiva, Roberta, uma jovem de pele clara, olhos amendoados , cabelos anelados castanhos com mechas mais claras, maçãs do rosto pronunciadas e traços delicados, conduzida pelo irmão Renato. O vestido branco tomara que caia de renda com brilho, com uma fita branca de cetim logo abaixo do busto rebordado, terminando em laçarote nas costas, tinha também o decote em formato de coração, todo contornado de strass. Na cabeça, uma tiara prata com minúsculas flores de strass adornando os cabelos presos em um coque, de onde saía um pequeno véu até o meio das costas. Nas orelhas, brincos de strass no formato de flor. Encaminhou-se altiva para o altar, com um leve sorriso nos lábios, em direção ao amado.
O pastor Gileno iniciou a cerimônia civil com uma Bíblia sobre o altar; os padrinhos do noivo do lado esquerdo, os da noiva, do lado direito; os homens em pé, as mulheres sentadas segurando botões vermelhos de rosa. Rafael e Roberta assinaram o termo de compromisso, com um assinador prontamente colocado sobre o documento e, em seguida, o pastor iniciou o ato religioso, chamando a avó Quitéria com as alianças. D. Quitéria, uma senhora de 90 anos, de pele morena, os cabelos cuidadosamente presos em um coque, os olhos puxados e um largo sorriso no rosto, usando um conjunto lilás, meias pretas e sapatilhas com brilho, entrou de braços dados com o Sr. José Francisco, carregando uma almofadinha branca de cetim, onde estavam, dentro de uma caixinha transparente, as alianças.
Depois da troca de alianças, foi a vez de Dona Severina, uma senhora amiga do casal, morena, os cabelos pretos presos em um penteado lateral com cachos, usando um vestido de renda rosê, entrar com uma Bíblia branca, que é destinada para a mulher, para a esposa que quer aplicar a palavra de Deus e enfrentar com coragem as dificuldades e problemas do dia-a-dia.
Finalizada a cerimônia, os noivos puderam, então, trocar o primeiro beijo como marido e mulher, e receber os cumprimentos dos padrinhos e pais. Passaram novamente pelo tapete vermelho e subiram a escadaria de mármore negro, permanecendo por alguns momentos lá em cima, tirando fotos. E a audiodescrição ali, funcionando o tempo, antecipando quem seria o próximo a cumprimentar, informando sobre a dificuldade do pastor em abrir a caixinha com as alianças, a pausa dele para tomar água, registrando os olhos marejados de uns, o sorriso de outros… Ali e acolá, transformando em palavras a descida dos dois envoltos em uma nuvem de fumaça e saudados por uma chuva de estrelas prata e corações vermelhos; o corte do bolo e o brinde com as taças cruzadas; a entrega dos mimos para os padrinhos, cuidadosamente preparados e alinhados em uma mesinha ao lado do bolo; o momento que Roberta jogou o buquê e 5 pinguins, símbolo da fidelidade, do alto da escada para as moças casadouras…
Rafael enviou uma mensagem de sua lua-de-mel, enfatizando a importância que o recurso teve para ele e Roberta:
“Uma imagem vale mais do que mil palavras, mas para nós foi o contrário: foram poucas palavras muito eficazes que se transformaram em imagens do nosso casamento. Fiquei muito feliz quando você relatou a chegada dos convidados, pela correria não consegui cumprimentar todo mundo, mas aquela pessoa que escolhemos com muito carinho estava presente para prestigiar o casamento. Uns dos principais momentos que a Roberta e eu gostamos muito foi a audiodescrição da cerimônia, na qual não tínhamos a visão, mas através deste recurso conseguimos absorver todas as informações passadas e assim tivemos detalhes como o traje do noivo, da noiva dos padrinhos e dos convidados. Além disso a expressão facial foi fundamental, saber que as pessoas estavam felizes e emocionadas junto conosco.
Na retrospectiva, a audiodescrição foi feita a todos e até quem enxerga ficou sabendo de detalhes que geralmente as pessoas não prestam atenção, tornando tudo mais emocionante.”
Um brinde aos noivos, desejando muitas e muitas felicidades na vida a dois! Participar desse momento de intensa felicidade foi fantástico. Eu sempre digo que a audiodescrição informa, contextualiza, permite uma participação mais plena nos mais diversos tipos de eventos e produtos audiovisuais. Abre janelas de mundo e para mundo… E para nós, audiodescritores, sem dúvida nenhuma, o prazer e a alegria de sentir-se parte, de ser instrumento para que o outro, os muitos outros enxerguem por nossos olhos, não tem preço…
O evento foi registrado pela TV Folha e, em breve, a matéria será veiculada pela TV Cultura.
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Por Lívia Motta – publicado em 29/06/2013.
Olá,
Sou a Maria Rita de São Paulo e adorei, adorei e adorei a audio descrição do casamento do Rafael e Roberta. Nunca imaginei que um casamento poderia ter audio descrição. Me casei em dezembro de 2006 e ficaria imensamente feliz se no meu casamento tivesse tido a audio descrição. São tantos detalhes, uma riqueza de descrição, que com certeza perdi tudo isso no meu casamento,rs. Que cresça cada vez mais esse tipo de audio descrição. Parabéns Livia! beijos Maria Rita
Querida Maria Rita,
Eu vi o vídeo do seu casamento no You tube. E vi a noiva linda que vc ficou e o Cleber cantando apaixonado a seus pés… Eu teria adorado ter feito a audiodescrição. Beijos e muito obrigada pela visita ao VER COM PALAVRAS!!!
Ler toda essa história, a gente dá uma viajada.
Imagino como os noivos e os outros convidados devem ter se emocionado. Realmente a Audiodescrição fez a diferença , pois puderam viver intensamente todos os momentos. Parabéns!!!
Sim, Fátima, foi muito emocionante. Vc, que já participou do casamento da Gláucia junto comigo, já pôde perceber de perto a importância do recurso em um evento como esse… Beijo grande.