PESO BRUTO – UM ESPETÁCULO DE DANÇA QUE SURPREENDE, ENCANTA E FAZ PENSAR – MAIS UMA APRESENTAÇÃO NO PRÓXIMO SÁBADO

Fotografia colorida de Jussara Belchior, sobre um banquinho de plástico branco, de costas, com o corpo na horizontal, uma mão apoiada no chão forrado de linóleo preto, a outra ao longo do corpo, as pernas cruzadas, os pés no ar. Jussara é uma dançarina de pele clara, gorda, de cabelos ruivos. Usa vestido preto de malha cirrê, curto e justo, e tênis de lurex preto e dourado.Jussara Belchior é uma bailarina de 31 anos, de pele clara, com 1 metro e meio de altura, e com quase 100 quilos, com seios fartos, barriga grande e pernas roliças. As pessoas podem perguntar, mas como assim bailarina??? Jussara conta que sempre foi gorda e sempre sofreu preconceito por ser considerada fora do padrão. Sua formação vem do balé clássico, mas foi a dança contemporânea que a fez perceber as facilidades e possibilidades de seu corpo, em vez de ir atrás de um ideal. “Aprendi a dançar o que eu sou, em vez de ser o que foi imposto. A saber o quanto eu peso. A pensar na força do meu movimento, no barulho que eu faço.”

Seu corpo gordo dança, pode ser leve e cair pesadamente no chão, é flexível, sensual e ágil. Jussara ocupa o espaço, cria formas, provoca, faz pensar… Fazer a audiodescrição deste espetáculo foi um exercício formidável, uma ampliação de repertório, uma descoberta de possibilidades. Fomos, eu, Fátima, Rosângela, Cristiana e Laercio, surpreendidos pela eloquência dos movimentos, pela ousadia de atitudes, pela beleza de deslocamentos, barulhos e sons. Os depoimentos abaixo de Laercio Santanna e Cristiana Cerchiari que foram os consultores desse espetáculo, com roteiro elaborado por mim e por Fátima Angelo, e revisão de Rosângela Fávaro, delineiam o trabalho do consultor e mostram o quanto os dois também foram afetados pela dança forte e questionadora de Jussara.

Fotografia colorida de um grupo de pessoas com e sem deficiência visual, todos sorridentes, posando para foto com a bailarina Jussara Belchior, logo após o espetáculo PESO BRUTO, no Itaú Cultural. Da esquerda para direita: Marina Caruso, Fátima Angelo, Anésia Santanna, Laercio Santanna, Jussara Belchior, Cristiana Cerchiari, Lívia Motta e Rosângela Fávaro. Jussara usa roupão de banho azul marinho e está com os cabelos molhados.“Um espetáculo de dança é sempre um grande desafio para o roteirista e, por que não, para o consultor também. Simplesmente descrever um movimento, por vezes, não é suficiente para transmitir o verdadeiro sentido do mesmo. A maneira como ele acontece, sua expressividade e intensidade, revelam toda a emotividade e graça da performance.

Como em uma dança não temos fala dos artistas, dependemos totalmente da audiodescrição para nos transmitir, não só a coreografia e tudo o mais que está acontecendo no palco, mas também os sentimentos que ela está tentando passar. Assim, uma ótima estratégia foi o contato das roteiristas com a dançarina Jussara para que ela validasse a criação de textos elucidativos de determinados movimentos. Essas inserções foram de grande importância na compreensão do significado da performance, levando ao público usuário da audiodescrição, um aproveitamento muito melhor do trabalho artístico.

Com essa prática, muitos poderiam até acusar o roteirista de estar oferecendo informação privilegiada ao público com deficiência, contudo, sendo com o aval do diretor do espetáculo, penso que, até mesmo quem enxerga poderia se beneficiar dela. Para mim, o roteiro ganhou um sentido especial por causa dos comentários inseridos. Entendo que melhorou significativamente a minha compreensão do todo. Foi muito prazeroso ter participado como consultor e espectador desse espetáculo.” (Laercio Santanna)

Fotografia colorida, em primeiro plano e de perfil, de Laercio Santanna conversando animadamente com Jussara Belchior, logo após o espetáculo PESO BRUTO, no Itaú Cultural. Laercio tem os cabelos grisalhos, os olhos pequenos e fundos, usa camisa polo verde. Jussara tem os cabelos ruivos molhados, raspados de um lado, os olhos pequenos e amendoados, usa óculos e um roupão de banho azul marinho.“Abri meus emails e vi, com satisfação, que eu teria de revisar mais um roteiro de audiodescrição da VER COM PALAVRAS. Eu esperava ler mais um texto extenso, rico em informações, baseado em estudos e pesquisas exaustivos, feito a pelo menos quatro mãos (antes de passar pelas minhas), redigido em português claro e conciso. Obviamente, eu esperava também anotar algumas observações que pudessem aprimorar ainda mais o roteiro, principalmente aquelas que facilitassem a compreensão de algumas nuances do espetáculo por pessoas cegas e com baixa visão. Eu provavelmente teria, em determinados trechos, de reformular frases e sugerir o uso de determinadas expressões, de modo a tornar a linguagem com o menor grau possível de interpretação. Afinal, quem faria a intertextualidade entre espetáculo e roteiro de AD seria, como sempre, o público, não o audiodescritor.

Todas essas expectativas se realizaram nesse texto relativo ao espetáculo de dança Peso Bruto. Outras, porém, ainda restavam. Como seria a experiência de assistir ao espetáculo com a locução do roteiro que eu havia revisado? Que amigos eu encontraria na plateia? Poderíamos conversar com a bailarina que fazia o espetáculo ao final da apresentação?

Tudo isso me motivou a sair de casa, ir até o Itaú Cultural, retirar meu ingresso com antecedência, bater papo com os amigos da equipe VER COM PALAVRAS, ser guiada por uma educadora para visitar a exposição sobre a cantora Inezita Barroso e ter contato com recursos de acessibilidade durante o processo, pegar o rádio-transmissor, assistir a mais um espetáculo em que a AD chegou até o público com alta qualidade, conhecer e/ou reencontrar outras pessoas cegas e com baixa visão, participar de um breve debate com a bailarina e tirar foto com ela! (Como ela se mostrou muito simpática e encantada com o roteiro de audiodescrição, aproveitei para pedir que ela ajude a divulgar esse recurso de acessibilidade, que precisa estar presente em mais espetáculos.)

Reforço o convite para que mais pessoas com e sem deficiência visual assistam a esse espetáculo, principalmente pelas reflexões que provoca e pela disponibilização de AD em mais uma sessão.” (Cristiana Cerchiari)

De fato, concordo com Laercio, que em um espetáculo de dança a audiodescrição dá informações privilegiadas para quem assiste com o recurso, esclarece, tece ligações, permite que o público entenda o significado da coreografia, dos movimentos, giros e rodopios. Se vc não foi assistir PESO BRUTO, ainda dá tempo… Junto com a Cristiana, reforço o convite. Tem mais uma apresentação no sábado, às 20:00 horas, no Itaú Cultural, na Sala Multiuso, piso -2. Não perca a oportunidade de assistir a um espetáculo diferente, intenso, que abre portas para a reflexão sobre a gordofobia, o preconceito, a aceitação do corpo fora do padrão e da medida.

Publicado por Lívia Motta (em outubro de 2017)

Still quiet here.sas

Deixe um comentário

Nome:

E-mail::

Links:

Deixe seu comentário: